A insularidade física de S.Vicente era amplamente ultrapassada por esse dinamismo alimentado pelo movimento do Porto Grande, que permitia aos habitantes de Mindelo um convívio permanente com gente de de diferentes culturas e origens. Um cidade aberta ao mundo, mas ciosa dos seus valores e das suas aquisições.
O liceu de S.Vicente não podia senão reflectir esse espírito e acentuar o seu culto. A sua criação em 1917 foi fruto desse espírito e de muita tenacidade da parte de membros da comunidade mindelense empenhados instituitir o ensino secundário naquela ilha, o que significava em Cabo Verde, pois o Seminário Liceu de São Nicolau tinha sido extinto precisamente nesse ano. O liceu de S.Vicente foi instituido em S.Vicente com o nome de Liceu Infante D. Henrique e foi um dos seus principais propulsionadores, o ilustre cabo-verdiano Senador Vera-Cruz, que cedeu a sua própria residência situada na Praça Nova para a sua instalção. O Liceu Infante D.Henrique foi mais tarde transferido, com o nome de Liceu Gil Eanes, para o edíficio que todos conhecemos e que constitui um dos marcos indeléveis da da nosa história e da nossa cultura, a referência comum e mais cara de tantas gerações que por ali passaram, sem esquecer os continuos e demais funcionários cujos nomes ficarão sempre a ele ligados. Não queria citar nomes para evitar o risco de omissão injusta de algum. Mas não posso de forma nenhuma deixar de lembrar nomes que marcaram a geração a que pertenço, nomes como Adriano Duarte Silva, António Aurélio Gonçalves, Antero Barros, Aristides Gonçalves, Artemisa, Baltazar Lopes da Silva, Daniel Leite, Dr. Pereira, D.Antónia, Luis Terry, Maria de Jesus Gomes, Olavo Moniz, Rendall Leite, Senhor Reis, Senhor Simões, Tertuliano Cabral, Toi Guga ( lembram-se? Creio que se chamamava António Augusto e daí Toi Guga), e outros... Colegas mais antigos falavam em Sr. Pombal, Sr. Alberto Leite, Joaquim (Quim-Quim) Ribeiro, Manuel Serradas...
O Liceu Gil Eanes era sem dúvida o centro de educação e cultura por excelência de todo Cabo Verde para onde convergiam jovens de todo as as ilhas e no qual todos se integravam e com o qual se identificam, e onde as diferenças regionais se esbatiam ora no currículo oficial das das aulas ora nesse outro currículo que os próprios estudantes geram foa das salas de aulas, nos intervalos, nos campos de jogo, e fora do liceu, na comunidade mindelense, na Praça Nova, na Matiota, Laginha, Cova de Inglesa, Cais de Wilson, Salamansa, João d’Évora, Ribeira, Julião, Calhau e Baia da Gatas.
Ao lembrar há pouco o Clube da Académica do Mindelo, um nome nos vem imediatamente à memória: oome de João Barbosa, figura indissociável da Académica e que com ela totalmente se identificava, Académia que era uma extensão desportiva de Gil Eanes. Queria aqui, precisamente nesta Associação da qual ele foi digno persursor e dedicado Presidente, render-lhe a homenagem devida à sua sua memória, bem como aos outros da equipa da sua honrosa Direcção, alguns dos quais infelizmente já não se encontram entre nós. A todos quantos têm contribuido com o seu trabalho, a sua dedicação, o seu empenho, a sua perseverança vai o nosso reconhecimento e a nossa gratidão. Sem esse empenho e essa perseverança não teria sido possível manter viva e dinâmica como tem sido até aqui.
Criada como Associação dos Antigos Estudantes do Liceu Gil Eanes, acabou por se assumir, como não podia deixar de ser, como do Ensino Secundário de Cabo Verde, abranjendo assim os que foram alunos do Liceu da Praia, criado mais tarde por intervenção do então Ministro do Ultramar português Doutor Adriano Moreira, ao qual ficou a dever o seu nome origem, Liceu de Adriano Moreira. Tive também o grato prazer e honra de ter sido professor desse outro grande Liceu de Cabo Verde.
A associação reune pois os ex-alunos de todo Cabo Verde e essa é sem dúvida a sua vocação e o seu mérito. A vocação e o mérito de não dividir, a vocação e o mérito de unir, como a sua própria constituição provê e previne.
Para não vos cansar a cabeça, naquele sentido em que se diz em S.Vicente, “ câ bo cansá-m cabeça!” vou terminar em seguida. Mas antes queria deixar-vos aqui este apelo, que venho fazendo em circunstâncias idênticas, e não por acaso. E aqui vou repetir-me, porque não vale a pena re-inventar o que resulta de uma reflexão séria e de uma firme convicção: nós os cabo-verdianos juntos constituimos uma nação portadora de uma história e de uma cultura caldeadas durante cinco séculos de existência e labuta naquelas ilhas situadas a 350 milhas da costa ocidental de Africa, mas também fora das ilhas, no que já nos acostumamos a chamar a nossa Diápora. Mindelenses, patchê, badiu, bubista, djarsal, djarmai, djarfogu, ou djabraba, ou sintanton, somos peças variadas desse extraordinário mozaico humano, desse verdaeiro cadinho étnico a que chamamos o povo cabo-verdiano. Dentro e fora de Cabo Verde, em cada lugar onde nos encontramos.